O que é um concurso público? Concurso público: uma vinculação recíproca. O direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados em concurso público

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

RESUMO O presente trabalho tem por objetivo a análise da polêmica questão que se trava entre os pensadores do direito moderno acerca do direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público e classificado dentro do número das vagas previstas no edital que inaugura o processo de seleção. Focado nos aspectos principiológicos que envolvem a questão, a abordagem da matéria se faz preponderantemente à luz dos princípios constitucionais administrativos vigentes, bem como do postulado magno que consagra o ideal de Estado Democrático de Direito no qual o Brasil se funda. Reservou-se vez ainda às divergentes posições doutrinárias e jurisprudenciais que debatem o tema, prestigiando a que vislumbra o direito subjetivo à nomeação como consectário do referido princípio democrático, em detrimento da corrente tradicional que atribui à discrição do administrador público a nomeação do candidato aprovado. Palavras-chave: nomeação, subjetivo, vinculação, candidato, concurso SUMÁRIO:
I – Introdução.
II – A sujeição da Administração Pública aos motivos ensejadores do concurso público e o reflexo de seu descumprimento.
II.1 – Problemática.
II.2 – Dissenso jurisprudencial e doutrinário.
II.3 – A vinculação ao edital como elemento moralizador dirigido ao administrador público.
III – Considerações finais.
IV – Referências bibliográficas.I. Introdução A evolução histórica das ciências política, social e jurídica aperfeiçoou o conceito de Estado para deflagrar a idéia de que este não subsiste senão para constituir meios hábeis à promoção do bem comum, assim entendido, como conceituou o Papa João Paulo
XXIII, “o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana” 1. À guisa desse pensamento, hoje já se entende por superada a idéia de que o ente soberano pode ignorar os direitos que ele próprio se propõe a garantir, acabando por culminar tal evolução no surgimento do Estado Democrático de Direito, que se baseia na noção de um Estado cumpridor de suas obrigações, sujeitando-se ao mesmo direito que impõe aos administrados. É nesse sentido que o presente trabalho se propõe a fazer uma análise constitucional sobre o direito à nomeação de candidatos aprovados em concursos públicos e classificados dentro do número de vagas veiculadas no instrumento que dá publicidade ao certame. O tema é extremamente controverso. A partir de definições antagônicas acerca da natureza jurídica do ato administrativo que dá provimento ao cargo público, a doutrina mais encorpada divide-se basicamente em duas vertentes: a primeira entende ser o ato discricionário, condicionando o provimento dos cargos públicos ao talante do respectivo ente administrativo que promoveu a sua criação, ao passo que a segunda, insurgindo-se contra esta visão tradicional, defende que as normas editalícias publicadas no instrumento próprio vinculam tanto o candidato como a Administração. À luz da jurisprudência mais atualizada, este trabalho apresenta uma série de questionamentos sobre o entendimento tradicional acerca da matéria, manifestado não só nos julgados das cortes mais importantes do país, mas também constante das diferentes posições doutrinárias que se digladiam diante da questão, extraindo-se da rica discussão um posicionamento condizente com o postulado do Estado Democrático de Direito. Orientando-se pela doutrina moderna que privilegia o princípio da segurança jurídica, por intermédio deste estudo, pretende-se demonstrar o dever jurídico e moral do Poder Público de realizar as nomeações dos candidatos classificados dentro do número de vagas ofertadas em edital de concursos públicos, ao fito de assegurar-lhes o direito à respectiva nomeação, minimizando, pois, o desarrazoado comportamento da Administração Pública, que por vezes deixa de nomear candidatos de determinado concurso público em vigor, visando a realizar outro.II – A SUJEIÇÃO da administração pública AOS MOTIVOS ENSEJADORES do concurso público e o reflexo de seu descumprimento Superada a fase em que se concebia a relação entre Estado e indivíduo meramente como oriunda do poder de império e do exercício da gestão discricionária da Administração Pública, ocasião em que o poder político se proclamava desvinculado dos limites jurídicos emanados pelo próprio Estado, almeja-se hodiernamente uma nova perspectiva de Estado, própria dos regimes democráticos, que visa ao equilíbrio e à harmonia das relações havidas entre o Poder Público e o administrado. No constitucionalismo contemporâneo, não subsiste mais idéia de uma Administração autoritária, desrespeitosa ou descumpridora de seus deveres. Um Estado que se erige sob a forma democrática deve pautar sua administração segundo os ideais éticos e morais reinantes na sociedade. Essa evolução resultou da prática constante com que a humanidade conviveu de inúmeros abusos perpetrados pelo Estado em nome de um putativo interesse público. Essa deturpação da finalidade estatal serviu como fonte empírica à construção do que hoje se entende por Estado constitucional, no qual, em tese, nos encontramos inseridos atualmente. Diante dessa nova concepção constitucional, novos parâmetros de garantia ao administrado devem ser observados pela Administração Pública, balizando e legitimando todo ato administrativo, sob pena de, ante à sua inobservância, regredirmos a passos largos rumo ao totalitarismo. Nesse ambiente, uma das grandes questões do Direito Administrativo que ocupa as mais brilhantes mentes administrativistas até os tempos atuais é a discussão acerca do direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados em concursos públicos e classificados dentro do número de vagas ofertadas no edital. Essa questão requer certa meditação sobre um questionamento que lhe é anterior, que conduzirá a sua resolução, qual seja, o dever objetivo de a Administração honrar as cláusulas editalícias firmadas e veiculadas no instrumento que dá publicidade ao certame. Pelo que já foi abordado nessas linhas preliminares, como qualquer outro ato que evidencie uma manifestação de vontade da Administração Pública, o exercício do poder administrativo de prover o cargo público deve coadunar-se com o princípio democrático que impera nos Estados de Direito, objetivando a prática de atos administrativos condizentes com tal postulado, ou seja, que assegure e respeite os interesses constitucionalmente garantidos dos administrados, principalmente aqueles que afetam potencialmente a sua esfera jurídica. II.1 – Problemática Chaga do sistema capitalista de produção, o desemprego é realidade palpável em países que, como o Brasil, adotam o sistema de economia de mercado. Por conseguinte, os postos que proporcionam condições dignas de trabalho ganham destaque na sociedade e passam a ser alvos de grandes disputas entre os indivíduos da classe trabalhadora que temem o “grande rolo compressor” do mercado liberal, uma vez que, por ser o trabalho assalariado, o valor da remuneração depende da qualificação profissional e da maior ou menor oferta de mão-de-obra2. Nesse cenário, a oportunidade de alcançar a tão sonhada estabilidade econômica e profissional se corporifica no almejado ingresso na carreira pública, o que faz o candidato abdicar-se de importantes momentos de sua vida para se dedicar a um processo de seleção cujos ditames confia ser honrados pela Administração Pública, face ao consectário lógico da presunção de legitimidade dos atos administrativos. Para tanto, o “concursando” investe esforços de toda ordem ao fito de ser aprovado: gastos pessoais e financeiros com estudos direcionados, aquisição de livros e materiais didáticos, abdicação de momentos de lazer e do convívio familiar, etc. Não raro, tais competidores distanciam-se até mesmo de suas atividades laborais, com o fim de dedicar a totalidade de seu tempo na preparação para o exame, confiando, sempre, na premissa de que a Administração honrará com seriedade os compromissos assumidos, para a consecução do interesse público, pelo que só se justifica a despesa, o tempo e o dinheiro público gastos para a realização de um concurso público. Eis, portanto, o ponto nodal da questão abordada pelo presente trabalho. Seria a indicação do número de vagas no edital do concurso elemento vinculador entre a Administração e os candidatos, obrigando-a a convocar os aprovados até a expiração do prazo de validade do certame? Ou a nomeação ao cargo insere-se no campo da discricionariedade administrativa, reconhecendo-se aos aprovados tão-somente a expectativa de direito ao referido ato de provimento? É o que se pretende elucidar. II.2 – Dissenso jurisprudencial e doutrinário Por muito tempo, desenvolveu-se no direito pátrio a sólida doutrina que defende a inexistência de direito subjetivo do candidato aprovado em concurso público à respectiva nomeação, refletindo esse entendimento nas decisões proferidas pelas cortes mais altas do país, em especial o Supremo Tribunal Federal, que sumulou a matéria sob o verbete de nº 153. Aprovada em 1963, sob a égide da Constituição Federal de 1946, à súmula 15, como toda jurisprudência e legislação pré-constitucional, reconhece-se a necessidade de um reexame à luz do que dispõem os princípios constitucionais estatuídos pela Carta de 1988. Nessa orientação sumular, o Pretório Excelso, ao declarar expressamente que o candidato aprovado em concurso público só teria direito subjetivo à nomeação se o Estado violasse a ordem classificatória do certame em desfavor do candidato preterido, tornou tal candidato, em caso de não preterição, detentor de mera expectativa de direito à sua convocação, não gerando a aprovação, por conseguinte, ainda que dentro do quadro de vagas ofertadas pelo edital, direito subjetivo à respectiva nomeação ao cargo para o qual fora aprovado. Assim, rejeitou-se a tese que sustenta o direito subjetivo à nomeação em prestígio à que se baseia na premissa de que o ato de nomeação se encerra no exercício discricionário da atividade estatal, submetendo-se a expectativa do candidato ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração. No entanto, assentou-se na súmula o entendimento que, evidenciada a necessidade de preenchimento da vaga, nasceria ao candidato aprovado o direito subjetivo à sua nomeação ao cargo. Isso em razão de não se permitir à Administração a arbitrariedade de deixar de prover as vagas depois da prática de atos que caracterizariam, de modo inequívoco, a necessidade de seu preenchimento. Logo, extrai-se do citado enunciado a conclusão de que se o Poder Público não é obrigado a nomear todos os aprovados, face à discricionariedade de que dispõe, a ocorrência de eventual burla à ordem classificatória faz surgir, em benefício do aprovado, o direito de ser nomeado dentro do prazo de validade do concurso, sob pena de grave violação à Constituição Federal de 1988. Deve ficar registrado que, à época da criação do verbete em comento, a Constituição Federal então vigente não fazia qualquer previsão próxima à que consta no artigo 37, inciso IV, da Constituição de 1988, que estabelece prioridade de nomeação do aprovado em concurso público vigente sobre aqueles aprovados em concursos ulteriores, o que justificou a preocupação da suprema corte em preservar a ordem classificatória, dada a ausência de previsão constitucional expressa. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil constituiu sua nova ordem jurídica voltada à moralização da Administração Pública, erigindo em seus princípios informativos como objetivo prioritário a seriedade no trato com a coisa pública, já que o quadro político brasileiro é historicamente marcado por escândalos envolvendo o erário. Nesse aspecto, resta certo que a vigência da posterior Constituição de 1988 torna necessária uma nova leitura da súmula examinada, que deve ser feita à luz dos princípios e ditames estabelecidos pela nova Carta Magna. Isso porque, como norma jurídica mais elevada, a Constituição nova não respeita a ordem jurídica anterior, isto é, não há direito adquirido contra a nova ordem constitucional, a não ser que a nova Constituição assim disponha expressamente, caso em que o direito adquirido atingido deve guardar estreita afinidade com o teor normativo constante do novo comando constitucional. Tal conclusão decorre, tão-somente, da aplicação do princípio da supremacia da Constituição perante todos os outros atos jurídicos. Apesar de se encontrar alguns posicionamentos diferenciados no Supremo Tribunal Federal, como em alguns julgados isolados da lavra do Ministro Marco Aurélio4, a suprema corte continuou maciçamente adotando, inclusive em decisões recentes5, o tradicional entendimento que propugna pela aplicação do sistema deflagrado pela súmula nº 15, qual seja, o descabimento ao candidato do referido direito subjetivo à nomeação. Em especial, deve-se registrar o entendimento do Supremo ao apreciar a constitucionalidade do artigo 77, inciso VII, Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que estabelecia a nomeação de candidatos aprovados em concurso público no prazo máximo de 180 dias, contados da data da homologação de seu resultado. Em sessão plenária realizada em 24/02/2005, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade6, ao argumento de que o direito à nomeação do candidato aprovado tem sua existência condicionada ao querer discricionário da Administração estatal quanto à conveniência e oportunidade do chamamento daqueles tidos por aprovados, o Supremo julgou, por maioria dos votos, inconstitucional o dispositivo legal supracitado, não obstante o Procurador Geral da República, que propôs a ação, tê-lo reconhecido como regra moralizadora da Administração Pública, apesar de também ter opinado pela inconstitucionalidade do referido dispositivo legal. Em que pese o tradicional entendimento sustentado pela corte mais elevada do Poder Judiciário brasileiro, alguns juízos de primeira instância e outros tantos Tribunais estaduais e federais do país passaram a mitigar o posicionamento do Supremo7, inaugurando no ordenamento jurídico nacional idéias mais condizentes com o princípio magno insculpido no artigo 1º da Constituição Federal, que consagra que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. Com acerto, essa nova corrente jurisprudencial advoga no sentido de que a não nomeação de candidatos aprovados encontra-se em desacordo com os princípios administrativos previstos na Constituição, notadamente o da moralidade e o da impessoalidade, reconhecendo, por conseguinte, a ilegalidade do ato omissivo do agente público que não procede à referida nomeação. Defende ainda que o Poder Público, ao abrir um concurso público, destinando verbas em grande escala para a sua realização, deve fazê-lo fundado em razões sérias, principalmente na premente necessidade de provimento dos cargos a que se destina o certame. Em suma, orienta-se tal corrente pelo pressuposto lógico que deve pautar todos os atos administrativos componentes de um Estado que pretende reconhecer-se como Democrático de Direito, qual seja, a atuação de uma Administração estatal que privilegie a moralidade, a boa-fé, a lealdade e o respeito aos administrados. Desse modo, conforme nos ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro, a violação ao princípio da moralidade administrativa se deflagra “quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições” 8. Nesse diapasão, merece destaque a decisão inovadora ocorrida no âmbito dos Tribunais Superiores 9, na qual o Superior Tribunal de Justiça, corte que tem por competência, dentre outras, a análise da compatibilidade das decisões judiciais com lei federal, foi de encontro à jurisprudência dominante e reconheceu ao candidato aprovado em concurso público o direito subjetivo líquido e certo à nomeação. O pronunciamento foi proferido em sede de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança interposto em face de acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou a ordem no referido mandamus, impetrado contra ato do Presidente daquele Tribunal. Assim, essa corte firmou a compreensão de que, se aprovado dentro do número de vagas previstas no edital, o candidato deixa de ter mera expectativa de direito para adquirir direito subjetivo à nomeação para o cargo a que concorreu e foi habilitado. Entre os doutrinadores, o assunto é igualmente polêmico. Ante a ausência de previsão constitucional expressa, a doutrina também é antagonicamente dividida acerca da matéria, travando-se intenso debate sobre a questão. Defendendo o posicionamento tradicional já esposado, autores como o eminente Hely Lopes Meirelles, José dos Santos Carvalho Filho, Diógenes Gasparini, José Maria Pinheiro Madeira e outros, ao argumento de que o ato de nomeação subordina-se à análise meritória de conveniência e oportunidade da Administração, sustentam que a prática de tal ato de provimento originário fica à inteira discrição do Poder Público, não gerando ao candidato qualquer direito subjetivo à nomeação a classificação dentro do quadro de vagas anunciado pelo ente promotor do concurso público. Defende essa corrente que o direito que assiste ao candidato aprovado em concurso público é o de, em a Administração desejando prover o cargo, ter de necessariamente recair sobre ele a respectiva nomeação. Desse modo, o que se revela é a reserva à Administração do juízo de conveniência e oportunidade quanto à expedição do ato administrativo de admissão do candidato. Por outro lado, oxigenando o entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante, a doutrina mais moderna vem adotando posicionamento diferenciado em relação ao tema discutido. Evocando os princípios da moralidade administrativa e da finalidade, sustenta essa corrente haver o dever jurídico da Administração de nomear os candidatos aprovados dentro do número das vagas publicadas no edital, resultando, caso contrário, em ofensa aos princípios em exame, haja vista que o não aproveitamento desses candidatos importará em elevados gastos à maquina estatal, com a celebração de outro certame ou a contratação de pessoal que se fizer necessária, não sendo lícito à Administração, portanto, deixar exaurir o prazo legal de validade do concurso sem proceder às respectivas nomeações dos candidatos habilitados. Desse modo, se aberto concurso para preenchimento de determinado número de vagas, é porque, em verdade, o interesse público assim o demanda, motivo pelo que justificam as verbas, o pessoal e o tempo empregados na realização do concurso. Dessa forma, observa essa corrente que a Administração Pública, ao publicar edital divulgador da necessidade de preenchimento de determinado número de vagas, obriga-se para com todos os particulares que depositaram no Estado a confiança de ver cumpridas as normas editalícias assumidas pelo ente que promoveu o certame, estabelecendo verdadeira relação jurídica com tantos quantos acorrerem ao edital. Tem-se como defensores dessa corrente os distintos juristas Marçal Justen Filho, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Márcio Barbosa Maia, Ronaldo Pinheiro de Queiroz, Fabrício Motta, dentre outros. Destarte, conquanto antigo, percebe-se que o tema ainda é motivo de perplexidade no universo jurídico e acadêmico, reproduzindo-se tal dissenso doutrinário em interpretações díspares da lei pelos diversos tribunais de todo o país, quando da análise do caso concreto, o que importa na distribuição inequânime da justiça que o Estado se propõe a prestar. II.3 - A vinculação ao edital como elemento moralizador dirigido ao administrador público II.3.1 – O Edital como lei do concurso: uma questão de segurança jurídica Não se concebe, hoje, na estrutura de um Estado moderno fundado sob a égide do princípio democrático, que seu ordenamento jurídico não consagre como princípio fundamental a noção de segurança jurídica, que repousa na idéia da absoluta e completa previsibilidade da ação estatal pelos cidadãos e demais administrados. Deve o Poder Público, portanto, em respeito a tal princípio, agir com segurança nas situações jurídicas que constituir, velando para que permaneçam estáveis, de modo a privilegiar uma atuação administrativa moral, respeitosa e previsível, sob pena de levar ao descrédito a seriedade das suas ações. Nesse sentido, apresenta-se o conceito de segurança jurídica como a garantia assegurada pela Constituição Federal ao administrado para que uma determinada situação concreta de direito não seja alterada, especialmente quando o responsável pela preservação de tal direito seja o Poder Público. Assinala a doutrina de Luís Roberto Barroso10, discorrendo acerca da importância da certeza jurídica como vetor exegético do sistema legal, que a segurança jurídica encerra valores e bens jurídicos que não se esgotam na mera preservação da integridade física do Estado e das pessoas, mas açambarca também, em seu conteúdo, conceitos fundamentais para a vida civilizada, como a continuidade das normas jurídicas, a estabilidade das situações constituídas e a certeza jurídica que se estabelece sobre situações anteriormente controvertidas. Exemplo histórico mais marcante de observância a esse princípio nos é fornecido pela Antiguidade, com a morte de Sócrates. Condenado injustamente à morte pelo tribunal ateniense, ao ser acusado de que estaria corrompendo a juventude da época ao culto de outros deuses, o filósofo, mesmo instado por seus discípulos a fugir, não se furtou à sentença e curvou-se à injusta execução. Isso porque, para esse pensador, a obediência irrestrita à lei significava o limite entre a civilização e a barbárie11. Diante do atual quadro jurídico constitucional, estabelecido pela Constituição Federal de 1988, o princípio em exame foi elevado à categoria de garantia fundamental, em razão de sua previsão pelo legislador constituinte originário no artigo 5º, inciso XXXVI, da aludida Carta, que protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada em face das mudanças repentinas na legislação e na interpretação desta pelas esferas administrativa e judicial. E, como corolário dele, a doutrina e a jurisprudência consagraram também o princípio da boa-fé nas relações jurídicas administrativas, baseando-se na premissa de não ser justo a Administração Pública punir quem, sem ter agido de má-fé, confiou no desempenho honesto das funções exercidas pelo Estado com o fim de angariar algum direito que se entendia devido. E não há de se observar de modo diverso, pois se a lei é garantia de estabilidade das relações sociais, o princípio aludido deriva de forma inafastável dessa garantia, o que nos leva à compreensão de que esse princípio possui conexão direta com os direitos fundamentais e ligação com demais princípios que dão funcionalidade ao ordenamento jurídico. Já lecionava o ilustre mestre Miguel Reale, ao dissertar sobre a obrigatoriedade ou a vigência do Direito, que a idéia de justiça se encontra estreitamente ligada à idéia de ordem, chegando à conclusão que “No próprio conceito de justiça é inerente uma ordem, que não pode deixar de ser reconhecida como valor mais urgente, o que está na raiz da escala axiológica, mas é degrau indispensável a qualquer aperfeiçoamento ético”12. Dessa forma, como em todas as outras situações, há de se concluir que a atuação administrativa exercida no bojo de um processo de seleção pública deve sempre estar em estreita harmonia com o princípio em debate, que serve como elemento norteador destinado aos atos do administrador público. A boa-fé da Administração Pública, entendida como um desdobramento natural da moralidade administrativa, tem como uma de suas facetas o mandamento de proteção à confiança jurídica na relação Estado-indivíduo. Tal mandamento, comumente abordado pela doutrina administrativa moderna, parte do pressuposto de que o Estado Democrático de Direito assegura a situação jurídica do candidato-cidadão que contou com a existência de determinadas informações e regramentos quando da publicação do edital. Nessa linha de raciocínio, impõe-se mencionar o estudo de José Guilherme Giacomuzzi13, para quem a proteção da confiança, ou confiança legítima, liga-se também à idéia de estabilidade das relações jurídicas, princípio só aparentemente conflitante com a justiça e revelados, num patamar de análise mais abstrato, de uma das aspirações mais insatisfeitas do gênero humano, havendo quem também a indique como postulado básico do Estado de Direito. O concurso público, entendido como o conjunto de atos administrativos que visa à aferição das aptidões de candidatos ao fito de selecionar os melhores para o provimento dos cargos públicos14, por se tratar de procedimento marcado por acirradas disputas entre os candidatos, deve ter suas regras disciplinadoras minuciosamente traçadas no edital que lhe dá publicidade. E isso porque à Administração, em nome da segurança jurídica, não é lícito agir incoerentemente com as diretrizes adotadas, de modo a exigir do candidato determinada postura a que não fez referência no edital, uma vez que suas opções geram na coletividade a expectativa do seu cumprimento, e nunca o contrário. Indubitável, pois, que o comportamento desrespeitoso do Poder Público investe contra os princípios inscritos no artigo 37 da Constituição. Percebe-se indiscutível que, assim agindo, ignora a Administração os princípios básicos da moralidade, da legalidade e da finalidade, na medida em que tem o dever, no exercício regular da gestão da coisa pública, de não agir de modo temerário, sem o que gerará inúmeros problemas à coletividade, esses também geradores de ineficiências e custos adicionais com a manutenção de demandas judiciais, sendo sempre causadores de insegurança jurídica. Com efeito, a garantia da aplicação objetiva das regras constantes do edital revela inarredável direito do candidato, que depositou toda sua confiança na manifestação de vontade da Administração Pública. Nesse prisma, não se pode admitir que a conduta estatal coloque em risco a estabilidade e a confiança social, sob pena de estimularmos um Estado da desconfiança, da desonestidade, da discórdia, além de germinar os inevitáveis conflitos judiciais, o que vai de encontro ao princípio democrático que visa à harmonização e equilíbrio das relações sociais, nas quais ambas as partes devem ter compromissos com o interesse público.



Bookmark and Share


0 comentários:

Postar um comentário

 
Blog de concurseiros, Blog de Materiais de estudo para concursos públicos do Banco do Brasil, Polícia Federal, concurseiros,Polícia Rodoviária Federal, Caixa Econômica Federal, TRT,TJ, STJ, STF, TRE , TSE, TST, Prefeituras, Correios, matemática para concurseiros, Anatel, Anam, Tribunal de Justiça, Polícia Civil, tudo para Concurseiros, Polícia Militar, Exército, Aeronáutica, Banco central, Concursos Federais, Concursos Estaduais e Concursos Municipais com Video aulas grátis, Audio Aulas grátis, comunidade de Concurseiros Português para concursos, matemática para concursos, Direito Administrativo, direito comercial, direito civil, direito família, direito constitucional, direito processual, material de estudo para concurseiros, direito processual civil, direito processual do trabalho, direito processual penal, portugues para concurseiros, direito penal, direito criminal tudo grátis, simulados para concurseiros.