A realidade dos concursos públicos

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A A constituição de 1988 determina que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos...”(Art.37.II). Ficou assim instituída a obrigatoriedade do concurso para a seleção de cidadãos qualificados para o serviço público. Se por um lado essa decisão acabava com o acesso ao serviço público “pelo QI” (amigo, padrinho ou parente “que indica”), trazia por outro um difícil desafio: o da própria realização dos concursos públicos. Realizar um concurso público no Brasil, e talvez em qualquer país, é tarefa extremamente difícil. Trata-se de medir competências em tempo restrito, com instrumentos imperfeitos e sob forte pressão de pessoas e setores interessados, muitas vezes inescrupulosos. É do conhecimento público que muitos concursos já foram sabotados de algum modo, gerando frustrações e conseqüências extremamente lamentáveis. Há, sem dúvida, candidatos indignos de serem servidores públicos, que de modo irresponsável geram boatos sobre “quebras de sigilo” e outras aleivosias, com o fim de gerar inquietações entre os correntes, ou simplesmente pré-justificar o seu possível insucesso. Outros procuram sabotar a todo custo os concursos, quando não obtêm êxito nas provas. Em situações mais raras, há os que conseguem corromper pessoas envolvidas na elaboração ou reprografia das provas, e até em outros níveis, em profundo desrespeito a tudo e a todos. No Brasil, já aprendemos e avançamos muito em matéria de concursos públicos. O CESPE/Centro de Seleção e de Promoção de Eventos, da UnB/Universidade de Brasília, é certamente uma instituição que atingiu elevado padrão de trabalho, segurança e confiabilidade. Por cerca de três décadas desenvolve e aprimora valiosa experiência, prestando serviço de inestimável valor. A verdade é que nada resiste à inteligência humana a serviço do mal, haja vista que até mesmo os segredos do Kremlin e do Pentágono vazaram muitas vezes. Devemos, entretanto, nos esforçar para que os concursos públicos sejam sempre realizados com o mínimo de vulnerabilidade. São raras as instituições brasileiras que ainda conseguem fazer concursos com resultados satisfatórios. O CESPE é sem dúvida uma delas. Mas é desejável que todas alcancem elevado nível de eficiência. É difícil julgar, é difícil avaliar. Julgar em concurso público é ainda mais difícil, dada a exigüidade do tempo e as limitações dos instrumentos de avaliação. Hoje, qualquer concurso público no Brasil atrai milhares de candidatos em ferrenha disputa por poucas vagas, o que torna ainda mais difícil a avaliação de competências. Em tal situação, a necessidade de um verdadeiro “desbaste” torna o concurso mais eliminatório do que seletivo. E como o número de vagas oferecidas é geralmente muito menor do que o de candidatos, freqüentemente não chegando a 2 ou 5%, sabe-se de antemão que a grande maioria dos candidatos ficará fora da lista dos selecionados. Haverá sempre, então, uma grande maioria insatisfeita. A pesquisa científica provou a eficiência de testes objetivos, também mais baratos e de correções mais rápidas. Tais testes são, de fato, recursos indispensáveis em exames de massas, pois permitem cobrir melhor a matéria, possibilitando que se chegue a um bom perfil do candidato, sem variação de critérios na correção (a variação é 0). E associados a exames práticos ou provas discursivas subseqüentes, permitem que se chegue a resultados satisfatórios. Qualquer fórmula que se adote em concursos públicos provoca insatisfações e reações, uma vez que as pessoas geralmente analisam as normas estabelecidas segundo os seus interesses e habilidades. Quanto a isso, somente um elevado grau de compreensão, educação e disciplina dos concorrentes pode tornar mais suave o clima dos concursos, havendo também, é óbvio, a necessidade de elevado grau de seriedade e autocrítica dos seus organizadores. O sigilo das bancas examinadoras e dos que trabalham na parte sigilosa deve ser guardado para a sua proteção quanto a assédios e até a ameaças. É preciso restaurar e preservar a confiabilidade nas pessoas e instituições. Sem isso os concursos serão cada vez mais inexeqüíveis. É necessário que os concursos públicos sejam regulamentados por lei em suas bases gerais. É preciso que instituições, como o CESPE/UnB, que representam verdadeiros patrimônios de competência e seriedade em matéria de concursos públicos, sejam respeitadas, apoiadas e estimuladas a aperfeiçoar o seu trabalho.

Lauro Morhy

reitor da Universidade de Brasília



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